Eu e meu marido fomos convidados a um coquetel num clube da cidade. Um médico da cidade, amigo de meu marido, promoveu um coquetel para 200 pessoas.
Fui com um vestido do qual gosto, um vestido longo, preto, com abertura lateral na saia e costas de fora. Meu marido de terno.
Muita gente conhecida, música ao vivo, drinks e aperitivos, clima agradável, tudo muito gostoso e de bom gosto.
Mesmo entre pessoas bem educadas, após algumas horas de homenagens, discursos e – principalmente – muitos drinks, alguns exageram na dose. Para falar a verdade mesmo, quase todos exageram nas doses.
Eu conversava com uma amiga quando um amigo do meu marido, pessoa conhecida e importante nos meios políticos da cidade, aproximou-se de nós.
Era constrangedor pois sabia que minha amiga e este senhor tinham sido “namorados” (mesmo sendo ambos casados) tempos atrás. Até tentei me retirar, deixando-os a sós, mas o tal senhor insistiu para que eu ficasse. Notei que ele era um dos muitos que tinham exagerado nas doses pela maneira que ele falava a minha amiga, um tanto rude. Ele foi tão rude que ela acabou se afastando da gente, me deixando a sós com o tal senhor.
Assim que ficamos a sós, ele elogiou minha elegância. O jeito dele, o modo que me olhava, tudo enfim, deixava claro que ele me queria e estava procurando uma maneira de “investir em mim” sem correr riscos.
Gente, sem correr riscos é impossível! Eu não queria nada com o homem, então deixei ele tentar uma conquista “sem riscos”, já que isto não existe. Ele falava como um papagaio, repetia frases decoradas, elogiava a mim e meu marido, e eu apenas sorria e agradecia. Ele ficava suado, coitado: além do alto teor etílico em que se encontrava, não conseguia nada de mim que lhe desse chance de “avançar o sinal” sem perigo.
Até que aconteceu: num certo momento, limpando o suor da testa com um lenço, encorajado pelos drinks, ele investiu: - “Olha, quero sair com você! Estou maluco por você!” Gente, que susto. Achei que ele não chegasse a tanto! Fiquei zangada, disse a ele que se ele não se afastasse, contaria a meu marido. Isto só deixou sua excelência mais zangada: - “Seja realista, minha senhora! Coloque-se em seu lugar! Não vou admitir que a senhora me rejeite! Posso acabar com a senhora e seu marido num instante! Nem se atreva a falar porcaria para ninguém e se dê por feliz por eu querer a senhora!” Dito isto, pegou-me pelo braço à força e me levou para o lado externo do salão do clube. Tentei resistir sem dar vexame, pois tinha ficado com medo da ameaça do nobre cidadão.
Lá fora, me agarrou o pescoço e me beijou a força na boca. Nojo: hálito de bebida, misturado com hálito de salgadinhos do aperitivo, um senhor do qual não gostava. Só senti nojo e medo. Resisti, empurrei sua excelência, mas o excelentíssimo ficou mais zangado ainda e jogou um copo no chão, estilhaçando tudo, o copo e o que restava de minha coragem.
Foi um horror: além de me beijar a força de novo, mesmo com eu lutando, abriu meu vestido, mordeu meus seios. Eu brigava, mas não adiantava. Até que ele enfiou a mão na abertura lateral da minha saia e tentou puxar minha calcinha. Muito enraivecida, cravei as unhas no rosto dele, arranhei e ele me soltou para se defender.
Quando me soltou, corri para longe, pelo lado de fora do salão. Corri até a portaria, num estado de dar pena: um seio para fora do vestido, um lado do vestido rasgado, despenteada, boca machucada e muito medo, além de um olhar de desespero e histeria.
O segurança correu e me segurou, me julgando uma ladra, uma doida, talvez uma ladra doida.
Gritei a ele que um homem estava tentando me estuprar, ele saiu em direção ao ilustre representante do povo e o segurou. Pois nosso amigo, mais zangado ainda, mandou-lhe chamar um diretor do clube que estava presente.
Sentei-me na portaria com outro segurança que me olhava com se eu fosse uma terrorista, me recompondo quando chegou o tal diretor do clube, acompanhado de sua excelência, com ar indignado, e meu marido. Abracei meu marido e chorei, e ele disse para irmos embora.
Absurdo: assim que entramos no carro, meu marido me deu uma bronca.
O ilustre senhor tinha contado uma bela história: tinha dito que eu estava bêbada e tinha o convidado para ver a noite do lado de fora do clube; lá eu tinha tentado seduzi-lo em troca de um cargo público importante; como o importante senhor se negasse a tal nomeação, eu o agredi, rasguei minha própria roupa e o acusei de tentativa de estupro. Creiam: meu marido acreditou na versão de sua excelência.
No dia seguinte, meu marido me perdoou por tentar subornar o nobre representante do povo, mas para mim ficou claro: ele sabia que o homem mentia, mas por medo dele – afinal, se assumisse a verdade teria que agir contra o tal homem, que era mesmo poderoso – preferiu acreditar na mentira que fora inventada. A covardia venceu a verdade de goleada.
Muitas vezes reencontramos o tal senhor em eventos diversos em nossa cidade e sempre foi educado, como se nada tivesse acontecido. Surpreendentemente convidou meu marido a um cargo público bem remunerado, convite aceito por meu marido, que retribuiu com um jantar em nossa casa: tive ainda que servir o porco nojento e sua esposa balofa como se nada tivesse acontecido. Lógico que não ofereci nenhuma bebida alcoólica. Nunca mais tocamos no assunto, achei melhor apagar o episódio tão vil de nossas vidas e de minha mente.